Contarei agora um fato em que sou um dos principais personagens. Depois do ocorrido, cheguei a ficar alguns minutos dentro do ônibus e horas em casa, em momentos de pura reflexão, que me dava sentimentos de pena e ódio ao mesmo tempo. Era uma sexta-feira, e eu estava no mesmo local e na mesma hora de todas segundas às sextas. O lugar era o histórico Bairro de Jaraguá. A linha de ônibus, Cruz das Almas, passava todas as doze e meia em ponto, o máximo que eu poderia esperar era um atraso de 5 minutos.
Sabendo que nesse horário o sol estava fervendo, sempre ia para o ponto 10 minutos antes que meu transporte passasse. Ao entrar no ônibus, a primeira coisa que faço é observar cautelosamente o rosto de cada pessoa que se encontra (creio que esse ato, pode ser ignorância de minha parte, em julgar as pessoas pela aparência, mas não tem jeito, isso sempre acontece). O coletivo estava como todos os dias – com poucas pessoas.
Paguei a passagem, fui andando, olhando, olho no olho de todos (até que encontrasse alguém que me passasse tranquilidade na curta viagem de cinquenta minutos para casa). Depois do julgamento, repousei ao lado de uma senhora de aparência humilde. Retirei do meu bolso, o meu fiel e companheiro de todos os momentos de espera, o MP3 Player.
Parando no ponto que fica em frente à Praça Lions, percebi que um garoto subiu pela porta traseira. Olhando para ele, deveria ter no máximo 17 anos. Sentou na cadeira a minha esquerda – do outro lado do corredor. Ele aproveitou que o ônibus estava mais vazio que antes, fitou-me de maneira descarada, sem piscar os olhos. Percebi, mas não virei o rosto e aumentei o volume da música. Vendo que não conseguia chamar atenção, passou para a cadeira que ficava a minha frente e voltou-se para mim.
Começou a falar, mas de princípio não consegui ler os lábios. Tirei os fones do ouvido e perguntei:
– O que foi?
– Bicho, desenrole um real aí.
– Não tenho.
– Mermão não tou querendo me estressar. Me dê logo essa porra, se não vou meter logo uma faca no teu bucho.
Olhei para a traseira do ônibus para ver se tinha alguém que fosse suspeito de ser comparsa dele, mas não vi. Mesmo sabendo que ele poderia ter alguma arma, vi que não passava de um garoto. Peguei coragem e falei grosseiramente:
– Não vou te dar nada. – E tapei um lado do ouvido com um fone do MP3.
Ele ficou calado só me encarando. Percebi que a senhora que estava do meu lado direito, olhava assustada para mim. Acho que dessa vez ela mudou um pouco seu conceito que parecia que tinha sobre mim – de um jovem calmo demais.
Quando o veículo da empresa Massayó chegou à orla da cidade e se aproximava de mais uma parada, o menino (ainda me olhando) levantou. No seu caminhar, ao fica de lado comigo, levantou o braço bruscamente como se fosse me dá um murro. Ao mesmo tempo tirei o MP3 do ouvido e quando ia levantando da cadeira, a senhora segurou meu braço. Foi o tempo suficiente de o garoto descer o ônibus correndo. No mesmo momento que ela me segurou, os nervos esfriaram. Ela falou:
– Meu filho, pra que contribuir com a violência? Você num já está vendo demais? O garoto não tem culpa. Isso é só mais um problema de vários no mundo. Você levantar e bater nele não vai adiantar. Ou vai?
Sem palavras e tremendo um pouco. Fiquei calado. Como sempre fui com quem não conheço, assenti, e deixei pensarem que eu estava relaxado. Mas a verdade é que fiquei pensando. Se eu fosse “agir por impulso”, iria resolver algo? Acho que não. E se eu relevasse todo aquele ato brutal (do garoto) e desse o que ele quisesse iria resolver algo? Também acho que não. Então o que fazer?
sopro
Há 6 anos